Em fevereiro, o papa Bento 16 surpreendeu o mundo ao anunciar que deixaria o cargo. No dia 13 de março, já havia novo papa. E logo após o conclave, circularam na internet duas fotos que retratavam a forma como os fiéis presentes na Praça São Pedro acompanharam o anúncio da eleição dos dois últimos pontífices, Bento 16 e Francisco. Oito anos separam ambas as fotos, e uma diferença salta à vista: o incrível aumento de câmeras, tablets e smartphones pessoais para captar aquele instante.
Estar presente numa ocasião como essa é algo muito importante para muitas pessoas. É a oportunidade de serem as primeiras a testemunhar um grande acontecimento. Mas, curiosamente, quando o papa Francisco foi anunciado, os milhares que se aglomeravam na praça não foram os primeiros. Suas câmeras registraram antes! Ao assistir a tudo através das telas, os fiéis concederam o privilégio desse primeiro contato às suas próprias lentes.
Esse fato ilustra bem a mudança de valores da nossa época. Se há poucos anos dizíamos que o que importava era viver o momento, isso já passou. Agora parece que o que importa é registrar o momento, de preferência para poder mostrar para os outros depois. Por que será que ficamos com uma sensação de perda se vamos a um lugar paradisíaco e não batemos uma foto ali? Por que fazemos tanta questão de registrar, seja em foto ou vídeo, um momento de glória ao lado de uma celebridade? É porque nossos valores mudaram.
Mais antigamente ainda, as pessoas se reuniam em torno do viajante que, vindo das partes mais remotas do imenso planeta, contava suas histórias fantásticas. Diante dos relatos mais impressionantes, ficava para o juízo de cada um decidir se os monstros realmente existiam ou eram fantasia da cabeça do estranho. Agora as pessoas se reúnem em torno da máquina. É ela que conta a história. É ela que diz o que é verdade ou não.
Uma coisa permanece a mesma: é sempre um prazer dizer que esteve lá, que viveu aquele momento. Só que antes era importante que o viajante experimentasse toda a magia do acontecimento em sua plenitude. O relato era só uma consequência. Era essa experiência intensa que convertia o viajante na própria história viva. Mas, no lugar da história viva, ganha importância o registro morto, a foto ou o vídeo, ao qual conferimos a primazia. O relato deixou de ser a consequência para ser a causa, e agora só vale se tiver sido registrado por uma câmera.
Essa lógica faz com que os viajantes modernos não se preocupem mais em experimentar com intensidade um acontecimento. Estão sempre preocupados em registrar “todos os detalhes” para mostrar para os outros depois, afinal, é isso que validará sua experiência.
Somos todos viajantes modernos. Vivemos muito mais coisas do que qualquer pessoa dos tempos passados, mas não nos deixamos ser tocados pelos lugares, pelas pessoas, pelas experiências. Estamos ocupados demais transferindo tudo isso para nossos equipamentos digitais. Talvez isso não seja um grande problema. Afinal, as coisas mudam mesmo. Mas não deixa de ser curioso e paradoxal. Na tentativa perpétua de reafirmar: “Eu existo! Eu sou importante! Eu tenho valor!”, topamos qualquer parada, inclusive sair do centro da cena para dar lugar a um objeto que é nossa própria criação, que não tem vida própria.