domingo, 15 de maio de 2011

Desejo da Mula

Desejo da Mula

“Sabedoria é saber o que fazer mesmo quando ninguém mais sabe”

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Já estava na hora. Doze badaladas. O encanto infalível evaporou, a princesa escorregou na maionese e a carruagem se desfez em abóbora. A única diferença é o sapato de cristal trocado por uma fralda largada pra trás. Porque, finalmente, minha filha de 22 meses começou a extravasar sua natureza humana mergulhada no ácido do orgulho. Sua vontade não admite ordens contrárias, nem seus sins almejados aceitam um não paternal. Ela fecha a cara, bate o pé, lança-se no chão, além de caprichar no BBB (Berro Besta de Birra!). E eu, que me iludia ser “o único pai do mundo com uma filha de outro mundo”, aterrissei meus devaneios perante uma cria tão genial quanto geniosa. Pois é! A fada se quebrou em mil pedaços e eu sobrei de queixo caído pelo chão.
É claro que eu a amo! Sou transloucado de paixão por aquele serzinho. Mas, recentemente, comecei sentir a mistura do pódio com o fim da fila – do troféu valioso com a fúria do derrotado. Num dos casos, era só uma escada pra ela NÃO subir, mas foi travada uma Guerra do Vietnã pela obediência – e eu, os Estados Unidos, acabei perdendo pra selva. Outra vez, pedi pra não jogar a colherada plástica cheia de papinha no tapete – ela entendeu, fez um “rrrhhhh” e, num tom de desafio, jogou-a tão forte que foi na tela da TV. E o que falar da mania de se grudar no chão? Gente! Criança é tão ameaçadora quanto ringue de luta livre! Mas ao invés de agredir na altura do joelho, joga-se esperneando no chão. Nestas horas meu sangue sobe numa explosão, sinto um calafrio gelado no couro cabeludo, e vendo a razão descer pro pé antes de chutá-la longe, pergunto: “Meu Deus, o que eu faço agora?
A vida não vem como uma bula escrita “Modo de Usar”. Certas esquinas que temos pela frente escondem completamente a visão nos vedando do que vem a seguir. E a fase que acabo de “adentrar triunfalmente pelos portais da incompetência”, dizem por aí que só vai terminar quando eu acabar – antes! Pois esta Saga da Educação é hereditária, vitalícia e imprevisível. Sabe o mais intrigante? Se meu “docinho recém-nascido” tornou-se um infantil “ossinho duro-de-roer”, o amor que tenho por ela é ainda menor do que o de Deus por mim – por isso Ele dá o direito de escolha, liberdade de expressão e possibilidade de pecar. Por quê? Pra nenhuma criatura acusar o Criador de ter sido feita sem alternativa. Eu vejo isso em minha filhota cada vez que ela me olha com cara de Cuca!
Mas deixa eu voltar àquele momento indecifrável em que trocaria todas as minhas economias pela solução maravilhosa pra queda-de-braço entre pai e filha. Barganharia todos os meus pratos de lentilhas pela primogênita resposta ideal em cima do laço (Genesis 25:34). Só que não é o que acontece. O gênio sumiu! Posso esfregar uma lâmpada até dissolver as mãos que seguirei no silêncio das dúvidas enroscadas na falta de ideias. Semana passada, entrei em outra sinuca de bico. Disse a ela: “se você jogar o celular do papai de novo ficarei muito triste!” Ela jogou com cara de provocação. “Filha, vou repetir só mais uma vez: não faça isso!” Seu olhar parecia de lutador de boxe cara-a-cara com o adversário na hora da pesagem – e tacou mais forte. “Ultima vez, senão…” Antes de terminar, meu I-Phone já decolava rodopiando pelos ares da sala. Respirei fundo, meu Google Mental não achou um resultado sequer, segurei firme seu bracinho, e enquanto seu biquinho nascia, minha paz de espírito morria. Usei a força bruta só pra me sentir um fraco tolo logo depois. Três décadas e meia contra nem dois anos – além dos 78 quilos de massa gorda sobre 12 de porcelana frágil – soam um tanto constrangedor. Por isso me senti péssimo! (Calma que não fiz nada mais do que apertar seu braço, ufa!)
Sabe o que todo mundo implora nesta hora, sem nem expressar verbalmente? O que eu suplico pra Deus quando me sinto incapaz de me livrar da sensação de “jumenta de Balaão”– e ainda muda? (Números 22:21-30). Peço o dom mais valioso pra qualquer ser vivente neste mundo inexplicável: SABEDORIA. Porque sabedoria é saber o que fazer quando ninguém mais sabe. É esfriar a cabeça quando a chaleira do coração está fervendo. Isso é tão difícil quanto garimpar um diamante raro no quintal da própria casa. Confesso que tenho vasculhado com muito mais fervor esta jóia preciosa na galeria das virtudes. Afinal, quando me sinto relinchando com minha filha, já que ela não entende nada do que peço, imploro a Deus modificar meus coices em atitudes sábias. Mas isso não é fácil, muito menos natural ao meu jeito de ser.
Por isso vou segredar pra você o trecho bíblico que se tornou minha leitura predileta nos últimos dias. Lá vai! “Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e ser-lhe-á concedida. Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando” (Tiago 1:5 e 6). Não é uma pepita brilhante achada no entulho do quintal? Tenho me agarrado a esta promessa divina como chimpanzé ao tronco no meio do vendaval. Daí eu entendo porque o próprio Criador apareceu a Salomão dizendo “pede qualquer coisa que Eu lhe darei!”, e sabe o que ele pediu? Sabedoria. Só isso – e tudo isso! (1 Reis 3) Pois quando se é sábio, todo resto será consequência óbvia das decisões acertadas.
E o que faço se pareço mula empacada perante uma criaturinha desnorteada? Tenho orado mais, lido mais, respirado mais, orado ainda mais e pedido muito, muito mais mesmo, perdão a Deus. Porque ser pai é tentar acertar mesmo em meio a vários erros. Educar é ser humilde pra aprender consigo errando antes de exigir impacientemente o outro acertando. A Bíblia chancela tudo isso: “a sabedoria, porém, lá do alto, é, primeiramente, pura; depois, pacífica, indulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial e sem fingimento” (Tiago 3:17). Não tem saída! Ser sábio é não achar todo mundo burro. Ser sábio é construir seu próprio alicerce seguro antes de criticar o telhado de vidro do outro. O sábio prega mais com suas atitudes do que fica dando sermão de dedo por aí. E sábio é o pai que consegue ficar mais perto de Deus pra fugir de si mesmo na hora em que se sente tão pecador quanto seu próprio filho.
Olhando minha filha indecifrável antevejo a imutável Lei do Crescimento: não vai ser fácil. Quando mais me sinto provocado é exatamente quando mais percebo, estarrecido, o quanto ela se parece indiscutivelmente… comigo! Isso é duro e cruel – feito um espelho insensível refletindo minha própria feiúra. A culpa dela é reação genética da minha própria culpa. Por isso acredito que de joelhos dobrados fico mais apto pra receber o que Salomão também recebeu e, de repente, como num passe de mágica, percebo que também estou mais na altura da minha filhinha olhando pra mim. Seus olhinhos brilham a inocência da inexperiência enquanto me olham como se pedissem ajuda mesmo sem saber. É nesse momento ímpar que consigo ver aquilo que ela não entenderá tão cedo: viver esta vida é aprender vencer a si mesmo ainda que com a ajuda dos outros. Pode ser um pai errante amando mais do que jamais imaginou, e pode ser junto com o outro Pai Perfeito que já ensinou com Seu amor a maior lição da eternidade. Nós três juntos – princesa, mula e Deus – venceremos o mal, saberemos o que é melhor, superaremos o imprevisível e cresceremos para sempre.
Mais sábios. Mais aprendizes. E menos jogadores de colheradas pelo chão.

abr 9, 2011 by pai coruja
http://www.paicoruja.eu/?p=941


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