O
documento final da Rio +20 deixou de fora direitos de
sexualidade e reprodução das mulheres consagrados na quarta Conferência Mundial
para as Mulheres, realizada em Pequim em 1995. Alguns países, como Estados
Unidos e Noruega, protestaram na plenária final a retirada do termo, usado
desde aquele ano em textos das Nações Unidas. As modificações foram feitas no
parágrafo 16, e se referem à Declaração de Pequim, aprovada na conferência
sobre mulheres de 1995, e à Plataforma de Ação, aprovada posteriormente no
Cairo. Ambas estabelecem o direito das mulheres sobre sua vida reprodutiva e
lhes garantem acesso a métodos de planejamento familiar.
No texto
que será encaminhado aos chefes de estado nesta quarta-feira, substituiu-se a
promoção de “direitos de sexualidade e reprodução” por “serviços de saúde” da
mulher. De acordo com Átila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional
do Brasil, a mudança significa, na prática, uma redução dos direitos
igualitários da mulher. “É uma questão que abrange a participação das mulheres
sobre todas as políticas que têm impacto sobre a vida delas, como garantir sua
autonomia sobre decisões que afetam o próprio corpo”, disse Roque, em
entrevista ao site de VEJA. “Na prática isso cria uma estrutura para a
descriminalização do aborto, mas não necessariamente os países precisam seguir
essa via”, diz.
“Os
governos não estão sendo consistentes no respeito aos direitos das mulheres, e
muitos grupos cederam aos apelos dos representantes do Vaticano, retirando do
texto final da Rio+20 artigos que poderiam garantir o direito reprodutivo
feminino”, diz Jan Egeland, diretor da executivo da Human Rights Watch.
Oposição
– De acordo
com diplomatas que participaram das negociações, há dois grandes opositores ao
direito sexual e reprodutivo da mulher. O primeiro deles é um grupo de países
com forte tradição religiosa, como Malta, Egito, Chile, Polônia, Rússia,
Honduras, República Dominicana, Nicarágua, Síria e Costa Rica. “São países de
forte tradição religiosa conservadora que se articulam há quase 15 anos”,
analisa Roque. A segunda – e poderosa – oposição vem da Santa Sé, grupo de observadores da Vaticano que não tem
poder de veto, mas que exerce influência sobre os países
católicos mais conservadores. “Durante as sessões de negociação, os
observadores da Santa Sé se manifestaram intensamente contra a inclusão dos
direitos de sexualidade e reprodução das mulheres no texto final da Rio +20″,
diz um dos diplomatas.
A
resistência da igreja em apoiar a inclusão do termo que garante os direitos de
sexualidade e reprodução das mulheres gira em torno da via que abre caminho
para a legalização do aborto. “Não é uma posição que defendemos na Rio+20.
Defendemos isso há mais de 2 mil anos. Direito de reprodução não é uma questão
de saúde ou de população. Defender isso é defender o assassinato. É o mesmo que
defender a solução final de Hitler”, diz um reverendo negociador da Santa Sé.
Roque
rebate dizendo que as políticas de inclusão reprodutiva e sexual das mulheres
abre um leque de possibilidades que não necessariamente levam à legalização do
aborto. “São direitos que forçam o estado a desenhar políticas públicas e crie
condições para que as mulheres, que representam metade da população do mundo,
vivam melhor e tenham direitos humanos mais igualitários.”
Posição
do Brasil – Durante
entrevista coletiva, o chanceler Antônio Patriota disse que o Brasil foi contra
a remoção do termo. “Estou particularmente frustrado pela exclusão do termo,
mas o papel do Brasil como anfitrião é buscar o consenso”, disse. “Há uma
profunda divergência entre as nações e não será algo que resolveremos nesse
encontro”, disse. O embaixador André Corrêa do Lago, que participou das
negociações brasileiras, amenizou. “Perdeu-se o termo, mas reafirmamos um
programa que tem como meta os direitos reprodutivos da mulher”, disse. “Foi o
caminho possível para chegarmos a um consenso.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário